Garota volta a túnel onde foi estuprada e posa para fotos para superar trauma

Alexandra Oliveira, de 21 anos, criou ONG para apoiar vítimas de violência e, com isso, virou exemplo de superação para outras mulheres.

Enfrentar ou superar trauma de um estupro retornando justamente ao local do ataque pode parecer uma ideia assustadora para muitas mulheres. Mas foi o que decidiu fazer a técnica de enfermagem Alexandra Oliveira, de 21 anos, que, além de voltar ao túnel onde ocorreu o crime, em Praia Grande, no litoral de São Paulo, ainda posou para fotos no lugar. “Fiz isso para mostrar superação e influenciar as vítimas a enfrentarem seus medos”, conta ela.

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Alexandra voltou cheia de coragem ao local de onde, relembra, saíra “correndo absurdamente” e “chorando de nojo”. As fotos fazem parte de sua luta para, além de superar seus traumas, ajudar outras vítimas a fazerem o mesmo. Também com esse objetivo, ela criou a ONG Hella, que, entre outras coisas, promove estudos para a erradicação da violência contra a mulher e todas as formas de segregação em razão de gênero.

As lembranças que ela carrega

Alexandra foi atacada em abril do ano passado, em plena luz do dia. Por volta das 13h30, a técnica de enfermagem saiu do serviço e resolveu ir para casa após o almoço. Como de costume, passou pela Avenida Ministro Marcos Freire e entrou em um túnel, que fica embaixo do Viaduto 10. Poucos segundos depois, ouviu o barulho de uma bicicleta e notou a aproximação de um homem.

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Alexandra postou foto com as marcas da violência e deu seu depoimento na internet (Foto: Alexandra Costa)

“Ele veio por trás. Pensei que fosse me assaltar, então joguei a bolsa no chão. Quando vi que ele não pegou, percebi que não era um assalto. Na verdade, ele queria outra coisa. Ele me enforcou no pescoço e fiquei muito tempo sem respirar. Até que a gente entrou em luta corporal”, relata.

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Em entrevista ao G1, ela contou que o homem exigiu que ela ficasse quieta e começou a passar as mãos pelo corpo dela. “Em uma empurrada com os pés, consegui afastá-lo do meu pescoço e aproveitei o tempo que ele estava voltando para dar um chute e correr enquanto ele se encolhia de dor. Corri absurdamente sem olhar para trás, chorando de nojo”, relatou Alexandra, que também compartilhou a história nas redes sociais no dia seguinte ao crime.

Ao chegar em casa, Alexandra tomou um banho e fez uma oração. Ela ficou com várias marcas espalhadas pelo corpo após o crime, e pedia para que Deus lhe trouxesse paz novamente. Nas primeiras horas, decidiu não contar para ninguém o que havia acontecido, nem para o próprio namorado na época.

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Alexandra durante o primeiro evento do Projeto Cinderela (Foto: Dyego Alves Gonçalves)

No dia seguinte, Alexandra resolveu relatar o fato nas redes sociais com a intenção de alertar outras mulheres sobre o perigo. Ela conta que precisava desabafar de alguma forma e, após a publicação do relato, acabou se surpreendendo com a reação das pessoas na internet. A postagem teve milhares de compartilhamentos e ela viu que não estava sozinha.

“Eu fiquei aliviada, me senti segura, acolhida pelas pessoas. Muitas mulheres tiveram coragem de se expor por causa do relato. Elas me mandavam mensagens para desabafar. Eu fiz um grupo fechado para elas conversarem entre si. Começaram a aparecer profissionais de diversas áreas querendo ajudar de alguma forma. Com isso, idealizamos um projeto para oferecer alguma coisa para essas vítimas. Na Baixada, não tínhamos nenhuma rede de apoio”.

O nascimento da Hella

O depoimento da jovem chegou ao conhecimento da jornalista Flavia Souza. “Eu fui uma dessas mulheres que leu o depoimento dela. Juntas, organizamos um evento, o 1º Encontro e Orientação a Mulheres Vítimas de Violência, que ocorreu em julho de 2017”, relembra.

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Alexandra durante o Projeto Cinderela, em julho de 2017 (Foto: Alexandra Costa)

O encontro contou com palestras, rodas de conversa, serviços gratuitos, orientações de advogados, de psicólogas, fisioterapia pélvica, maquiagem e corte de cabelo. Mais de 300 pessoas participaram do evento, que foi o pontapé inicial para a criação do Projeto Cinderela. “A Cinderela foi vítima de abuso por causa da madrasta. Eu sempre fui muito fã da Disney. As pessoas conhecem o tipo de relacionamento abusivo, mas não sabem que existe até na família. Há todo tipo de violência contra a mulher”, explica Alexandra.

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A psicóloga Julia Marques, especialista em violência, também se envolveu no projeto. No evento, ela fez o acolhimento das mulheres vítimas de abuso. “O acolhimento é sempre complexo. É o primeiro momento para que elas entendam que não são culpadas por nada, e para elas não se sentirem sozinhas. Uma vez por mês, fazemos uma roda de conversas com o viés de ajuda mútua, com mediação de psicólogas”, explica Julia.

Segundo ela, durante o evento e encontros, muitas mulheres não conseguem perceber que estão sendo vítimas de violência e não buscam ajuda. Outras não têm coragem de se expor e podem levar essa dor para o resto da vida. “O trauma precisa ser trabalhado por ela mesma. Cada uma tem seu momento, mas não devemos deixar isso escondido. Muitas mulheres têm depressão, têm o estresse pós-traumático. Algumas precisam de terapia e medicamentos. Eu sempre digo que elas precisam procurar ajuda, sim, que não estão sozinhas e não são culpadas”, afirma.

Em contato com as vítimas, Alexandra e as profissionais perceberam que essas mulheres precisavam de um acolhimento e um apoio maior. Para proporcionar isso, elas transformaram o Projeto Cinderela na ONG Hella, que foi registrada em novembro de 2017. “Hella era uma deusa nórdica que comandava nove mundos e, aqui na Baixada Santista, há nove cidades. Ela era uma mulher linda e uma mulher em decomposição, e é assim que as mulheres se sentem. Além de abreviar o nome Cinderela, associamos a deusa”, explica Alexandra.

A missão da ONG é orientar, apoiar e acolher mulheres em situação de violência, bem como promover estudos para a erradicação da violência contra a mulher e todas as formas de segregação em razão de gênero. “Muitas vezes, essa mulher está do nosso lado, é nossa amiga, conversa com a gente e a gente não sabe que ela já foi vitima de violência. Ela pega traumas, carrega medos, sequelas e nunca falou, ou quando falou, foi desacreditada. Precisamos combater isso, para que as nossas filhas não passem por isso”, afirma Flavia Souza, atual diretora de comunicação da ONG.

O primeiro evento oficial como ONG será no dia 24 de março, o ‘Mulher Além da Violência’, em homenagem ao Mês da Mulher. Haverá palestras, mesas de debates, acolhimento psicológico e orientação jurídica gratuita. “O projeto se transformou em um sonho. Sempre tive a vontade de fazer algo que mudasse o mundo. Eu percebo que a maioria das vitimas, em vez de falar com a ONG, vem falar comigo”, disse Alexandra.

G1