Vítima de abuso é condenada à morte

Vítima de abuso é condenada à morte por matar estuprador a facadas

Noura Houssein foi forçada a se casar e matou o marido por causa de frequentes abusos. Casamentos arranjado e que resultam em violência são práticas comuns no país africano.Vítima de abuso é condenada à morte

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Noura Hussein não queria casar. Ela tinha 16 anos, uma estudante do magistério que ainda não tinha concluído o ensino médio. Mas a família sudanesa da jovem forçou-a a casar com o homem que eles escolheram, um primo, contra a sua vontade. Sua família fez um contrato com a do noivo, e o casamento foi realizado.

Hussein recusou-se a aceitá-lo, fugindo para morar, por três anos, na casa de um parente em uma cidade vizinha, de acordo com a Anistia Internacional e outros ativistas envolvidos no caso. Em abril do ano passado, sua família convenceu-a a retornar à sua casa, na periferia de Cartum, a capital do Sudão. O casamento era ideia do passado, disse seu pai.

Era uma armadilha. A família de Hussein forçou-a a participar da cerimônia de casamento e a se mudar para a casa de seu marido. E quando ela recusou-se a consumar o casamento, seu marido pediu a ajuda de seu irmão e primos. Os homens a seguraram, enquanto o marido a abusava, de acordo com ativistas sudaneses e o advogado de Hussein, que falaram à agência de notícias Associated Press.

No dia seguinte, ele tentou estuprá-la novamente, disse o advogado dela à AP. Hussein pegou uma faca na cozinha e esfaqueou-o até a morte. Seus advogados argumentam que foi um ato desesperado de defesa. O tribunal no Sudão disse que foi um homicídio.

Mês passado, Hussein foi considerada culpada por homicídio premeditado. Na quinta, ela foi condenada à morte por enforcamento. Sua equipe de advogados tem 15 dias para apelar da sentença, antes dela ser executada, de acordo com testemunhas que acompanharam o julgamento no tribunal.

Campanha internacional

A condenação de Hussein e a execução pendente lançaram uma campanha internacional por clemência pela jovem. Ativistas sudaneses e apoiadores na Europa, Austrália e Washington estão fazendo pressão a favor da jovem. O caso, dizem os apoiadores, lança luzes sobre uma cultura que sujeita as mulheres à violência masculina e que tem um sistema judicial falido que não dá valor às mulheres.

No Sudão, uma menina de 10 anos pode casar com a autorização de um juiz e um parente, aponta a agência de notícias Reuters.

Noura Hussein é uma vítima e a sentença contra ela é um ato intolerável de crueldade”, diz Seif Magango, diretor regional adjunto da Anistia Internacional para o Leste da África.

Hussein está presa em uma prisão feminina em Ondurman, a segunda maior cidade do Sudão, desde maio de 2017. Após contar à família o que aconteceu, o pai de Hussein entregou-a à polícia, dizendo que ela era uma vergonha para a família, destaca o Afrika Young Movement, um grupo de ativistas que trabalha com os advogados dela.

A história de Hussein e a hashtag Justice For Noura circularam nas mídias sociais no Sudão nas últimas semanas e apoiadores lotaram o tribunal na quinta para ouvir a sentença, mas nenhum dos parentes de Hussein compareceu à audiência, “devido ao estigma social”, disse Badreldin Salah, um ativista do Afrika Young Movement ao Washington Post.

Nas mãos do agressor

Sob a Sharia, uma lei muçulmana, a pessoa culpada de um homicídio é executada ou obrigada a pagar uma multa. Casamento infantil forçado e estupro no casamento não são considerados crimes no Sudão e não podem ser usados como evidências para a defesa. A família do morto decide a punição, admitindo a possibilidade do perdão, de uma compensação financeira ou a pena de morte, afirmou Salah.

O juiz perguntou à família do morto qual era a escolha deles e eles optaram pela execução. Assim que o juiz deu a sentença, a família do morto começou a “bater palmas com alegria”, de acordo com testemunhas. Fora do tribunal, os apoiadores de Hussein protestavam com cartazes contra a pena de morte antes de serem pressionados por forças de segurança para saírem do local.

Pedidos de apoio

O Afrika Youth Movement escreveu uma carta para o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, considerando o caso como uma “atrocidade praticada pelo Sudão contra um indivíduo sem poderes, primeiramente violada e com o risco de ser executada por causa dos muitos abusos que sofreu.”

O grupo suplicou o apoio de lideranças internacionais dos direitos humanos para interferir na sentença. Grupos como o Equality Now estão escrevendo para o presidente sudanês Oman al-Bashir para pedir clemência. Um grupo de ativistas sudaneses e de outros países visitou Hussein na prisão, traduzindo cartas de apoio de todo o mundo e trabalhando, com os seus advogados na apelação do caso. Milhares de pessoas têm assinado petições em apoio de Hussein.

Casos como o de Hussein não vem, frequentemente, à luz no Sudão, porque, segundo Salah, muitas jovens que passam por abusos no casamento não preferem se manifestar contrariamente por causa da pressão ou do estigma social. “Elas preferem ficar em silêncio.” Mas o caso de Hussein é diferente.

“Noura se rebelou contra a família e contra o sistema social”. O caso dela é significativo, escreveu o Afrika Youth Movement, “não apenas porque ela é apenas uma das muitas mulheres em situação similar, sujeita à violência patriarcal masculina, condenada e abandonada pela comunidade, à mercê de leis religiosas, sem recursos à Justiça. Ela é uma das muitas mulheres que se recusam a submeter a esse tipo de violência e se levantam para se defenderem.”

A execução de uma jovem mulher, vitima de violência baseada no gênero, aponta o grupo , é “um retrocesso aos olhos das leis internacionais e um dano irreparável para o Sudão e para a reputação de toda a África.”

Desigualdade de gênero

Sudão é o 165º país, entre 188, no Índice de Desenvolvimento de Gênero do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que quantifica a desigualdade de gênero usando níveis de renda, representação política, taxas de mortalidade maternal e outros indicadores.

Uma em cada três mulheres sudanesas se casam antes dos 18, apontou a Reuters, citando as Nações Unidas.

Magango, da Anistia Internacional, disse que estão aplicando a “cruel” pena de morte para uma vitima de estupro. “As autoridades sudanesas falharem em reconhecer a violência à qual Hussein foi submetida.”

“As autoridades sudanesas precisam anular esta sentença grosseiramente injusta e assegurar que Noura tenha um novo julgamento que leve em consideração as circunstâncias atenuantes”, disse Magango.

“O sonho de Noura era de ser uma professora, mas ela foi forçada a casar com um abusador que a estuprou e a brutalizou”, adicionou Magango. “Agora ela foi esbofeteada com uma pena de morte.”

Fonte: mceara