Se para você a resposta é óbvia, leia esta matéria e surpreenda-se
Até mesmo uma das maiores operadoras de cartão de crédito do mundo sabe que certas coisas não têm preço. Mas também sabe que muitas outras o dinheiro pode comprar. O que a ciência, há décadas, busca entender é se a felicidade está na lista de itens impagáveis — e se devemos buscar sempre mais grana para conquistá-la.
Considerando alguns dos principais e mais recentes estudos que relacionam felicidade e dinheiro, podemos dizer que a resposta é “sim, com ressalvas”. Este é um tema deveras complexo. Não há como descolar renda de bem-estar emocional. Ao mesmo tempo, há outros fatores mais importantes do que o dinheiro nessa equação. Além disso, para efetivamente comprar felicidade, é preciso saber usar a conta bancária a seu favor.
Saiba o que a ciência diz sobre isso e veja como ter uma relação mais saudável com o dinheiro:
Nações ricas são mais felizes?
Primeiro, é preciso definir o conceito de felicidade, amplo e subjetivo, mas que, em geral, pode ser considerado um estado emocional positivo. À sensação de felicidade estão associados o prazer, o bem-estar e a percepção de sucesso.
— Tem muito a ver com satisfação e o quanto a expectativa das pessoas está sendo cumprida na vida que elas têm. Se existe uma distância muito grande entre o que você consegue e o que você espera, mais insatisfação haverá — resume a psiquiatra e pesquisadora na área de bem-estar Luciane Cruz.
O psicólogo americano Ed Diener, da Universidade do Illinois, é uma das autoridades mundiais nos estudos sobre o conceito de bem-estar subjetivo, que é a maneira como as próprias pessoas avaliam suas vidas. Ele investiga o impacto da personalidade, da cultura e, claro, do dinheiro para que um indivíduo sinta-se satisfeito e feliz.
No livro Culture and Well-Being: The Collected Works of Ed Diener (Cultura e Bem-Estar: Coleção de Trabalhos de Ed Diener, em tradução livre), de 2009, o psicólogo mostra que nações que acumulam mais riquezas conseguem atingir menor índice de mortalidade infantil, garantir fundos para a ciência, investir em parques e locais públicos para lazer. Mas nessas sociedades mais ricas, segundo Diener, serviços e bens extras impactam muito pouco no nível de bem-estar subjetivo dos indivíduos. Ao mesmo tempo, as pessoas desses países sentem que têm pouco tempo e trabalham mais. Ou seja, se você tem o básico, como saúde, educação, oportunidade para ir atrás das suas aspirações e boas relações sociais, talvez a busca incessante por bens materiais tenha mais impacto negativo do que positivo para a felicidade.
“As pessoas buscam um nível de riqueza material impensável para gerações anteriores e sacrificam seu tempo e seus relacionamentos para obter isso. No entanto (¿), elas deveriam reavaliar suas prioridades. Essa busca é pouco provável que valha a pena”, escreve.
Pedro Henrique de Morais Campetti, professor de economia do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), analisou a literatura e juntou dados de outros países, como Brasil, Argentina, Chile e México, sobre os fatores que impactam a felicidade. Ele afirma que países com renda mais alta têm maiores “taxas de felicidade”, mas o crescimento não é proporcional ao aumento da renda. Mesmo com mais riqueza, o nível de felicidade permanece estagnado.
— A felicidade depende de vários fatores, e a renda é um deles, mas há também aspectos culturais e comportamentais. Vimos que a saúde é o que mais impacta — afirma Pedro.
E quando o assunto é saúde mental, a renda do paciente não influencia, afirma Luciane.
— Não se pode dizer que a depressão é mais incidental na população pobre. O que vemos é maior dificuldade para tratamento — afirma.
A psiquiatra compara às idas ao shopping para ter satisfação a tomar um analgésico para dor. Pode ser que haja uma alegria momentânea, mas isso não quer dizer que haverá mudança a longo prazo.
— O consumo pode ser tornar algo patológico, chega a um ponto em que a pessoa não consegue parar. O consumo faz uma pessoa trabalhar mais e se estressar, não traz um estilo de vida com mais qualidade — afirma Luciane.
O teto do bem-estar
Angus Deaton e Daniel Kahneman, ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, publicaram em 2010 um dos estudos mais famosos que relacionam o aumento de renda de uma pessoa ao seu bem-estar emocional (um conceito que tem a ver com as experiências diárias de prazer, estresse, tristeza, raiva e afeto) e a percepção própria sobre a vida. Eles constataram que mais dinheiro não compra mais felicidade, mas ter pouco dinheiro está associado a sofrimento emocional.
Com base em questionários feitos nos Estados Unidos, eles chegaram a um número exato capaz de trazer felicidade em um renda familiar: US$ 75 mil por ano. Ganhar acima desse valor não traz significativamente mais bem-estar emocional. Esse seria o teto.
“Um aumento além deste valor não melhora a habilidade de um indivíduo de fazer o que importa mais para o seu bem-estar emocional, como passar tempo com pessoas que gostam, evitar dor e doença e aproveitar o lazer”, concluíram.
O valor corresponde ao país norte-americano — em sociedades com outros desafios, como desigualdade social, pode ser que o valor seja significativamente menor. De acordo com o estudo, a média de renda das famílias nos Estados Unidos era de US$ 71,5 mil, e um terço ganhava mais do que US$ 75 mil.
Isso não quer dizer, segundo os cientistas, que uma mudança para mais ou para menos não teria consequências emocionais. O que importa é que, a partir desse ponto, o bem-estar emocional de uma pessoa é mais impactado por outros fatores, como o temperamento ou as circunstâncias da vida. A adaptação humana a uma determinada situação também influencia: afinal, pessoas ricas um dia se acostumam a essa condição. A vida rica se transforma em uma vida normal.
Invista na sua felicidade
Mas se dinheiro pode comprar felicidade, por que não compra? Porque não sabemos gastar, argumenta a pesquisadora e professora Elizabeth Dunn, do Departamento de Psicologia da Universidade de British Columbia.
“As pessoas não conhecem os fatos científicos sobre felicidade, o que a traz e o que a mantém. Então, elas não sabem como usar o dinheiro para comprá-la”, escrevem ela e outros dois pesquisadores em um dos seus artigos sobre o tema.
Para Elizabeth, não é surpreendente que um milionário que nada entende de vinho tenha uma adega em casa — e prefira mesmo é beber cerveja. “E não é surpreendente que pessoas com muito dinheiro não tenham vidas mais felizes”, escreve. O dinheiro é uma oportunidade para a felicidade, mas nem todos sabem como aproveitá-la.
A pesquisadora explica que investir em experiências é melhor, pois nos adaptamos às coisas de forma muito rápida. Depois de passar dias selecionando o piso perfeito para o apartamento, em pouco tempo aquilo será apenas o chão em que você pisa — e ele será o mesmo dia após dia, assim como os colares, os casacos, o sofá novo. Mas a memória de ver animais em um safári continua causando uma boa sensação depois de um tempo. Além disso, revisitamos essas memórias com maior frequência: é mais comum pensar sobre a viagem à África do que parar durante o dia para apreciar o piso da cozinha.
Em 2016, um estudo de Cambridge cruzou dados bancários e o traço de personalidade de 625 participantes. A conclusão é semelhante à de Elizabeth: o dinheiro, se investido da maneira correta, pode aumentar o bem-estar. Pessoas extrovertidas, por exemplo, sentiriam-se mais felizes gastando com idas a um bar do que pessoas introvertidas.
Sandra Matz, do departamento de psicologia da universidade, diz que isso mostra que gastar dinheiro em produtos que ajudam indivíduos a se expressar de acordo com sua personalidade pode ser tão importante quanto encontrar um trabalho certo ou os amigos ideais.
Considerando as pessoas têm uma tendência a se comparar com os outros e comprar coisas que as posicionem em um certo lugar de status social, a busca pelos bens que possam fazer cada um feliz depende de um processo mais longo.
— É uma questão de autoconhecimento, de saber o que lhe faz realmente feliz — afirma a psiquiatra Luciane Cruz.
Pessoas felizes conseguem mais dinheiro
O italiano Eugenio Proto, professor de economia da Universidade de Warwick, no Reino Unido, é o responsável por um estudo que mostra que a felicidade vem antes do dinheiro: pessoas felizes tendem a serem mais produtivas. O economista afirma que a personalidade tem relação direta com a capacidade de ser feliz a partir do dinheiro.
— Se você não tem como dar comida para os seus filhos ou ter uma casa, você não vai ser feliz. Mas a partir do momento em que passa disso, personalidade influencia bastante — diz em entrevista a ZH.
O economista investigou a relação entre a renda e o bem-estar das pessoas que têm maior risco de depressão ou de sensibilidade a sentimentos como raiva ou hostilidade. Ele constatou que, nesses casos, mais dinheiro não necessariamente torna alguém mais feliz. Ele também comenta que a sensação de felicidade está atrelada à comparação: se o seu vizinho também ganha mais, é possível que você não se sinta tão mais feliz.