Após a adaptação à lei, situações como a do vice-governador Márcio França, que acumula cargos de secretário e conselheiro de estatais, não serão mais permitidas

Onze estatais vinculadas ao governo de São Paulo, comandado por Geraldo Alckmin (PSDB), possuem conselheiros que ainda não se adaptaram a uma novalei que regula esse tipo de empresa, de acordo com dados do começo de maio disponíveis no Portal da Transparência.

A lei promulgada em junho do ano passado pelo presidente Michel Temer (PMDB) proíbe que mandatários, ministros, secretários de Estado e municipais, titulares de cargo, sem vínculo permanente com o serviço público, dirigentes de partidos e parlamentares participem dos conselhos administrativos das empresas com faturamento superior a R$ 90 milhões por ano, ainda que licenciados dos cargos.

A lei federal 13.303, conhecida como Lei das Estatais, foi criada com o objetivo de melhorar a gestão e a transparência das instituições ligadas ao poder público.

Treze das 20 estatais paulistas faturam acima desta cifra e estão sujeitas às regras acima. Mas, como os conselheiros assumiram os cargos antes da promulgação da norma, de acordo com o governo paulista, só serão substituídos ao fim de seus mandatos. O governo diz que as mudanças “acontecerão dentro do prazo legal, ou seja, em até três anos do início do atual mandato dos conselheiros” (leia mais abaixo).

A lei federal determina, porém, que as adequações nos conselhos devam acontecer em até dois anos contados da aprovação da norma. E o decreto 62.349, publicado por Alckmin em 26 de dezembro para regulamentar a lei federal no Estado, determina que as estatais paulistas têm de se adaptar às novas normas até 31 de dezembro de 2017.

O governo diz ainda que as “estatais paulistas cumprem rigorosamente o que determina a lei” e que “todas as eleições para conselheiros, posteriores à entrada em vigor da lei, foram ou serão realizadas, observando as regras”.

Na Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), dois dos três conselheiros têm de se adaptar à lei. O mesmo acontece na CPSEC (Companhia Paulista de Securitização). A Desenvolve SP (Agência de Desenvolvimento Paulista) e a Prodesp, empresa de tecnologia da informação, possuem o maior número de conselheiros que têm de se adaptar à nova legislação: quatro cada uma.

Casos similares também acontecem na CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), na Cesp (Companhia Energética de São Paulo), na Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), na Imprensa Oficial, no IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), no Metrô e na Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).

Das 13, só duas escapam do problema nos conselhos: a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos).

As 13 estatais em questão possuem 86 cargos em conselho, sendo que 27 estavam ocupados por secretários, secretários-adjuntos e funcionários sem vínculo com o serviço público, o que representa 31% do total e requerem adaptação às novas disposições, de acordo com levantamento da Aeppsp (Associação de Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo), com base em dados de 4 de maio, disponíveis no Portal da Transparência do governo paulista.

Vice-governador acumula posições

Estes 27 cargos são representados por um número menor de pessoas porque alguns acumulam posições em mais de um conselho. É o caso do vice-governador Márcio França (PSB), que acumula o cargo de secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação e ainda ocupa cargos nos conselhos da Desenvolve SP e do IPT –nas duas empresas, ele foi alçado à presidência dos conselhos.

Se França não fosse secretário, sua participação nos conselhos também seria vedada pelo fato de ser dirigente de seu partido. Ele é presidente do PSB em São Paulo, é integrante titular do Diretório Nacional e ocupa o cargo de primeiro secretário nacional de Finanças da legenda.

Outro acumulador em desacordo com a norma é o secretário de Governo, Saulo de Castro Abreu Filho, presente nos conselhos da Imprensa Oficial e da Prodesp. O secretário de Energia e Mineração, João Carlos Meirelles, era conselheiro da Emae e da Cesp, mas deixou os dois órgãos no fim de abril, de acordo com sua assessoria de imprensa. Ainda segundo a assessoria, os novos conselhos destas duas empresas já se adequaram à legislação, embora o nome de Meirelles ainda apareça no Portal da Transparência como conselheiro.

A nova lei tenta coibir o aparelhamento dos conselhos e também acaba combatendo o acúmulo de salários. O cargo em conselho dá direito a um salário. Os vencimentos de Márcio França, por exemplo, com os cargos de secretário e de conselheiro em duas estatais, chegariam a R$ 32.903,60, ou seja, ficariam acima do salário do governador, que é de R$ 21.631,05 e representa o teto na administração estadual — tramita na Assembleia Legislativa uma proposta que prevê a mudança de referência para o teto salarial do funcionalismo paulista. Quando se submeter à lei das estatais e deixar os conselhos, França ficará somente com o salário de secretário, que é de R$ 20.549,60.

Governo diz que mudanças serão feitas no prazo legal

Procurado pela reportagem, o governo estadual informou em nota que os conselheiros que não cumprem as exigências da lei aprovada em 2016 só deixarão os postos ao fim de seus mandatos. “De acordo com a lei federal 6.404/76, em seu artigo 140, inciso terceiro, o prazo de gestão dos conselhos de administração não poderá ser superior a três anos. Portanto, as mudanças nos conselhos, observando as regras da lei 13.303, acontecerão dentro do prazo legal, ou seja, em até três anos do início do atual mandato dos conselheiros”, disse a gestão tucana.

Na avaliação da advogada Vera Monteiro, professora de direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a lei não é clara a respeito da interrupção dos mandatos de conselheiros em desacordo as novas regras. “Há duas interpretações possíveis. Uma, literal, do artigo 17, parágrafo segundo, no sentido de que somente novos mandatos deverão seguir a lei nova. De qualquer modo, lembro que a lei fixou o prazo de 24 meses para as adaptações necessárias. Outra no sentido de que as vedações devem incidir desde logo para atender o objetivo da norma, que seria o de moralizar a administração pública”, afirmou a jurista.

Para a Aeppsp, há três problemas na atuação dos conselhos das estatais que não se adaptam à nova legislação. “Primeiro, o risco de desvirtuamento do controle típico destas organizações, uma vez que figuras políticas ou em cargos importantes na estrutura hierárquica do Estado se fazem presentes nos conselhos. Em segundo, a oportunização dos altos valores que envolvem os conselhos por agentes ligados ao governo, desvirtuando o intuito da remuneração que, ao contrário, originalmente foi pensada para garantir a independência do conselheiro. Em terceiro, a nomeação de pessoas ligadas ao grupo político dos governos aumenta o risco de aparelhamento da entidade para interesses paraestatais.”

A associação defende a aplicação das regras de boas práticas pelo governo estadual não só nas estatais maiores, mas também nas sete com receita inferior, nas fundações, autarquias e nos conselhos fiscais de todas estas entidades. “Os conselhos administrativos são órgãos colegiados de decisão superior voltados a temas de grande relevância na administração indireta.” As regras previstas na nova lei, acrescentou a Aeppsp, dariam mais condições para os conselheiros trabalharem com isenção.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *