Zumbi dos Palmares era Gay

Cinco pistas de que Zumbi dos Palmares era Gay, diz historiador

Digo e repito: raramente foi Luiz Mott quem levantou a lebre pela primeira de que personagens históricos ou celebridades nacionais  eram praticantes do amor que não ousava dizer o nome. Como leio muito, pesquiso sem parar e arquivo tudo o que encontro sobre homossexualidade, ao divulgar que Carmen Miranda também gostava do babado, que Mazzaropi era gay, que Collor idem – estou simplesmente repetindo o que outros autores já publicaram em livros, revistas ou jornais. Ontem mesmo tive uma enorme surpresa ao saber que um historiador mineiro declarou que o Tiradentes também “jogava água fora da bacia” – embora ainda não tenha conhecimento de seus argumentos. Quem tiver alguma pista, me avise! Zumbi dos Palmares era Gay?

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Com Zumbi a coisa foi assim: um historiador gaúcho, autor de famoso livro sobre o Quilombo de Palmares, declarou-me que só não escrevia que Zumbi era gay porque tinha medo da reação do movimento negro. Fiquei com a pulga atrás da orelha, pois nunca tinha imaginado que o herói negro pertencesse ao batalhão dos amantes do mesmo sexo. Comecei a pesquisar as biografias de Zumbi e acumulei 5 pistas que sugerem maior identificação de Zumbi como  homossexual do que como heterossexual. Portanto, à indagação: era Zumbi Homossexual, a resposta é: provavelmente sim! Zumbi dos Palmares deve ter praticado “o amor que não ousava  dizer o nome”. Dispomos de cinco pistas que sugerem sua homossexualidade, enquanto não há nenhuma prova definitiva de que o líder quilombola  era heterossexual. Desafio qualquer historiador a comprovar, com documentos da época,  que o maior herói negro das Américas teve alguma mulher ou filhos. Não passa de  mera presunção e miopia sexológica imaginar que o simples fato de  ter sido guerreiro valente serviria como prova de que sendo do sexo forte, gostava do sexo frágil. Ledo engano: o maior general da Antiguidade,  Alexandre Magno, também  foi grande em seu amor pelos rapazes. O famoso “Batalhão dos Amantes de Tebas”, todo ele formado de pederastas, destacou-se por sua inigualável valentia. Frederico o Grande da Prússia e Lawrence da Arábia, entre muitos outros,  são exemplos mais recentes de que  muitos homossexuais foram notáveis  guerreiros.  Portanto, não há qualquer incompatibilidade entre Zumbi ter sido guerreiro retado e amante do mesmo sexo.

Insisto: não havendo nenhuma prova da heterossexualidade de Zumbi, apresento aqui quando menos cinco pistas que sugerem que provavelmente Zumbi dos Palmares era “chibungo” (termo de origem angolana, corrente na Bahia atual,  sinônimo de homossexual masculino). Tais indícios juntos valem mais do que documento nenhum sobre sua improvável heterossexualidade.

Primeira pista:  não há evidência  alguma comprobatória que Zumbi  teve mulher ou filhos. Para um  grande chefe guerreiro, a poligamia era privilégio indispensável. Ganga-Zumba, tio putativo de Zumbi, teve três mulheres, sendo duas negras e uma mulata. Porque Zumbi abriria mão deste cobiçado prêmio, considerando que devido à carência de mulheres,  os quilombolas da Serra da Barriga tinham de contentar-se com uma mulher para vários homens? Como informa o historiador negro Joel Rufino,  “os brasileiros sempre acreditaram que os negros famosos e ricos devem se casar com brancas”, tanto que autores  mais românticos inventaram uma mulher branca para o líder dos Palmares. ”Legenda romântica…” conclui o mesmo autor.

Segunda pista: Zumbi era conhecido por um  intrigante apelido: SUECA. Esta informação é confirmada por Clóvis Moura,  outro respeitado historiador negro. Segundo o dicionarista Morais, que viveu em  Pernambuco no século seguinte à epopéia palmarina, “sueca” já naquela época tinha o mesmo significado de hoje: “mulher natural da Suécia”. Por que um negão,  valoroso guerreiro,  seria  chamado por nome feminino? Debaixo deste angu tem carne! Nesta mesma época encontramos alguns homossexuais denunciados   à Inquisição Portuguesa que também eram chamados por  apelidos femininos:  “A Galega”, “A Bugia da Alemanha“, inclusive um sodomita negro do Benin que apesar do nome batismal de Antônio, jogava pedra em quem não o chamasse de “Vitória”.  “Sueca” é apelido mais adequado para um  hétero  ou  homossexual?

Terceira pista: Zumbi, que ficou coxo num acidente de batalha, descendia dos Jagas de Angola, etnia onde a  homossexualidade tinha numerosos  adeptos, os famosos “quimbandas”, conforme atestam contemporâneos da guerra dos Palmares, entre eles o Padre Cavazzi e o Capitão Cadornega. Se até em sociedades repressivas e anti-homossexuais o homoerotismo tem batalhões de adeptos, nada mais lógico que também no quilombo de Palmares, onde havia grande falta de mulheres, os “quimbandas”  fossem aceitos com naturalidade,  como ocorre em muitas comunidades onde há desequilíbrio dos sexos, e que Zumbi também fosse amante de  um deles.

Quarta pista: Zumbi, descrito como possuidor de “temperamento suave e habilidades artísticas”,  antes de fugir para o mocambo, até os 15 anos,  foi criado pelo Vigário de Porto Calvo, Padre Melo, referido como “afeiçoado a seu negrinho”. Ora: nos tempos inquisitoriais a homossexualidade era chamada, com razão, de “vício dos clérigos”, tantos eram os padres envolvidos com as práticas homossexuais. 1/3 dos condenados pela Inquisição pelo pecado de sodomia eram padres. Muitos destes tendo como cúmplices exatamente seus escravos , crias da casa. Os retornos de Zumbi à casa de “seu” padre, depois de tornado quilombola, revelam uma relação profunda que superou as diferenças de raça, classe e idade. “Diz-me com quem andas, que direi quem és…” diz o ditado popular.

Quinta pista: dizem os estudiosos que  Zumbi, ao ser preso e executado, a 20 de novembro de l695,   foi degolado  “sendo castrado e o pênis enfiado dentro da boca”. Macabra coincidência: o Grupo Gay da Bahia dispõe de um volumoso dossier de assassinato de homossexuais brasileiros,  em que constam 5 gays, dois em Alagoas, o mesma região onde castraram Zumbi, que foram encontrados mortos exatamente como o chefe quilombola: com o pênis dentro da boca.  Uma forma antiga e simbólica de humilhar os “falsos ao corpo” que por não terem  usado adequadamente seu falo, tornaram-se merecedores de engoli-lo na hora da morte.

Enquanto não se provar o contrário, com o exigido rigor documental, estas cinco pistas permitem-nos afirmar  que o grande Zumbi dos Palmares provavelmente era amante do mesmo sexo. Longe de desmerecer a  valentia do maior líder negro do Novo Mundo, tais pistas aumentam-lhe a glória, pois ainda hoje,  só cabras muito machos têm a coragem de assumir o amor por outro homem. Baseando nestes fortes indícios, o Movimento Homossexual Brasileiro participou orgulhoso e solidário,  ao lado de todos os negros, mestiços  e brancos anti-racistas,   das comemorações do terceiro centenário da morte de Zumbi (1995) herói negro e provavelmente, depois de Alexandre Magno, o  homossexual mais valente de  toda História Universal.

Por causa deste artigo, publicado em diversos jornais na época daquelas celebrações , os muros de minha  casa foram pichados e os vidros de meu carro quebrados por alguém que considerou um ultraje um herói negro ser amante do mesmo sexo. Vários líderes negros me condenaram por estar “denegrindo” a imagem do líder quilombola, outros chegaram a dizer que homossexualismo era coisa de branco e que não existiam gays e lésbicas na África. Felizmente fui apoiado por grande número de intelectuais e políticos que consideraram  politicamente incorreta a reação machista  e preconceituosa dos negros opondo-se à possibilidade de Zumbi ter sido gay e absolutamente condenável a violência cometida contra mim. Estas reações negativas comprovam o acerto da pesquisa da Data-Folha: os negros e afro-descendentes são mais conservadores sexualmente  do que o resto dos brasileiros. Ao menos na teoria – e na falação – pois na prática, tenho minhas dúvidas, pois a quantidade e soltura dos gays, lésbicas,  travestis e bissexuais  negros contradiz a sexofobia e homofobia manifestadas no tricentenário de Zumbi.

Fonte: Luizmott.blog

Luiz Mott

ANTROPÓLOGO, HISTORIADOR, PESQUISADOR É UM DOS MAIS CONHECIDOS ATIVISTAS EM FAVOR DOS DIREITOS CIVIS LGBT E DECANO DO MOVIMENTO HOMOSSEXUAL BRASILEIRO.