Alvarás de táxi

Alvarás de táxi desvalorizam quase 90%. Autorização que chegava a custar R$ 125 mil hoje é encontrada por R$ 15 mil

Houve um tempo em que Alvarás de táxi em Salvador era considerado artigo de luxo e negociado na praça como ações em alta na Bolsa de Valores. Afinal, a autorização para circular como taxista chegava a custar entre R$ 100 mil e R$ 125 mil. O rendimento mensal compensava o valor inicial investido e os taxistas mais empreendedores começaram a comprar permissões para revendê-las.

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Hoje, essa realidade mudou. O que valia tanto quanto um apartamento agora é anunciado por até R$ 15 mil. O antigo negócio lucrativo ficou no passado.

A transferência de alvarás acontecia entre os taxistas. Quem deixava um ponto negociava a permissão para os novatos ou para quem pretendia investir na revenda. Foi assim até a chegada dos aplicativos de transporte na cidade, em 2016.

O negócio era tão rentável que Pedro Augusto, 65 anos, decidiu se tornar permissionário de táxi. Há 20 anos, ele queria encontrar um segmento digno de investimento. Pesquisou, consultou amigos e constatou que, no ramo dos táxis, conseguiria uma rentabilidade maior que um investimento em imóveis, por exemplo. O empresário acumulou alvarás e começou a alugar carros.

As pessoas compravam alvarás porque conseguia levar para frente. Eu já comprei esperando a valorização. Na época, ainda era vantagem, lembra.

O permissionário não fala em quantidade, mas garante que, se o aluguel de um carro custava R$ 700 por semana, hoje quase não passa dos R$ 400. Uma conta em aberto, já que somente o último alvará, adquirido em 2015, custou R$ 84 mil.

As histórias se repetem nos pontos de táxi da capital. São 7.296 veículos autorizados na cidade, segundo a Associação-Geral dos Taxistas (AGT). Desse total, a organização estima que mil estão parados.

O taxista Valdek Pereira, 59, entrou nesse ramo para preencher o tempo livre depois da aposentadoria como operador de processo químico. Um amigo o aconselhou: por que não comprar um alvará? O dinheiro era certo até para um investimento futuro. Então, em 2014, ele conseguiu por R$ 96 mil a autorização de um colega.

Fiquei estagiando, fiquei treinando pelos lugares. Comércio, Pituba… vi que era bom e gostei. Porque estava suprindo, relembra.

Mesmo depois do Uber, primeiro aplicativo de transporte a chegar em Salvador, Valdek decidiu investir em um plano: comprar outro alvará. Depois da aprovação da Lei 9.283, que regulamenta a atividade dos taxistas em Salvador, e das tentativas de regulamentação dos aplicativos, ele pensou que estaria na vanguarda de um investimento bem-sucedido.

Dessa vez, Waldek não gastou mais que R$ 26 mil na licença. Hoje, no entanto, a permissão é avaliada em R$ 9 mil.

Se tivesse aplicado em outro negócio, talvez ganhasse mais. Aí, aluguei o carro, mas a taxista disse que não está dando para pagar nem R$ 300 por semana.

A expectativa, agora, é que nem todo o investimento das economias da aposentadoria seja perdido. Há mais de 40 anos, seria impossível imaginar o cenário atual.

Obtendo um alvará

As primeiras concessões de alvará do poder público aos taxistas foram expedidas há cerca de 45 anos, acredita o presidente da AGT, Ademilton Paim. Geralmente, as autorizações para ser motorista de táxi correspondiam à influência política e social do interessado. Começou, então, a virar mercado, um ramo de negócio. Como a concessão não pode ser vendida oficialmente, mas transferida, o trâmite virou uma moeda valiosa no mercado.

“Tinham empresas que alugavam os carros com alvará e superfaturavam com isso. Não pode vender, pode conceder. Procuro quem quer adquirir”, diz Paim.

A transferência é realizada junto à Coordenação de Táxi e Transportes Especiais (Cotae), antiga Getax. Primeiro, é necessário encontrar um interessado em transferir a concessão a outro motorista. Lá, não há menção a quanto custa a troca, somente ao processo burocrático da troca, que custa R$ 1,9 mil.

Garantido o direito, o taxista paga, anualmente, taxas como a renovação do crachá (R$ 300), a fiscalização do taxímetro (R$ 100), vistoria do carro (R$ 87), curso de atualização (R$ 100) e o exame de aptidão física (R$ 50).

Prestes a completar 23 anos de praça, Waldemario Oliveira tem a função de vender o alvará do irmão, recém-aposentado, enquanto equilibra as próprias atribuições. Foi testemunha da época em que os taxistas viravam patrões e os investidores, vindos de outras áreas, criavam impérios de alvarás. Hoje, vivencia a dificuldade para vender uma autorização.

“Nos anos 2000, ele (o irmão) comprou por R$ 59 mil (o alvará). Há dois meses, pediu R$ 48 mil, junto com o carro. Depois, baixou para R$ 45 mil. Sendo que só o carro custa R$ 34 mil”, calcula.

Procurado para comentar o assunto, o secretário de Mobilidade Urbana, Fábio Mota, não respondei até o fechamento desta reportagem.

1,2 mil táxis de Salvador estão mais velhos do que deveriam

Dos mais de sete mil táxis de Salvador, 1,2 mil estão mais velhos do que deveriam, estima a AGT. A idade máxima dos carros prevista por lei é cinco anos. No mês de agosto, todos passarão por vistorias realizadas pela Coordenação de Táxi e Transportes Especiais (Cotae). Mas, enquanto uns defendem a necessidade de manter o alto padrão, outros questionam se é o momento ideal para cobrar uma nova frota, diante da queda nos lucros dos taxistas.

O caso será discutido no Ministério Público Estadual até o final deste mês com os taxistas e a Prefeitura de Salvador. O taxista Deisom Alves, 49, questiona:

“Não tem carro novo, porque não tem como pagar. Tá dura a situação. Em relação à lei nova, fica a interrogação da seguinte forma: se o taxista tem que ter um carro de, no máximo cinco anos para trazer segurança a população, como um carro de aplicativo pode ter um carro de 10 anos? Essa pergunta é importante”.

Os motoristas que não atenderem aos requisitos podem deixar de circular e perder benefícios como isenções na hora de comprar um carro. Os taxistas costumam realizar a compra de veículos pelo Programa de Renovação da Frota de Táxis do Estado da Bahia (Protáxi), que tem taxa de juros de 15% ao ano e prazo de quitação de 60 meses.

A proposta da AGT é aumentar o tempo de vida útil do carro de cinco para oito anos ou esperar a regulamentação dos transportes por aplicativo para realização das vistorias.

Queremos estar na forma da lei, mas não temos condições de trocar o carro agora, diz Ademilton Paim. A classe também pede a diminuição da taxa de concessão dos alvarás. Em entrevista ao CORREIO há uma semana, Fabio Mota afirmou que a Semob está aberta ao diálogo para chegar a um denominador comum com a categoria.

Carros por aplicativo são maioria e taxistas investem em estratégias

Quando o passageiro entra no carro, o taxista Rubens Palhares, 68, logo avisa das possibilidades de desconto para pagar as corridas. As frotas de táxis criam seus próprios aplicativos e a Prefeitura de Salvador lançou, no dia 22 de abril, o Táxi Mob, que possibilita viagens de táxi com até 20% de desconto.

Com a concorrência dos transportes por aplicativo, a alternativa que resta é criar estratégias. Até porque os carros por aplicativo já são maioria em Salvador. Somente o Uber tem18 mil cadastrados na Bahia. Não há recorte por cidade, segundo a assessoria do serviço.

Estamos enfrentando a concorrência dos aplicativos com as mesmas armas, afirma Palhares.

Justamente pela concorrência, Waldemario mudou a rotina e entrou numa companhia de táxi. Há quase dois anos, ele estaciona em pontos estratégicos de Salvador, como grandes hotéis, e o pagamento das suas corridas pode ser realizado no crédito e no débito; allém de oferecer desconto de 20% a 30% para clientes particulares. “Eu entrei justamente porque além de não ter mais os clientes que eu tinha, são estratégias que a gente precisa adotar para sobreviver”.

O projeto de regulamentação do transporte por aplicativo foi aprovado, em Salvador. no dia 25 de março na Comissão de Constituição, Justiça e Redação Final (CCJ) da Câmara de Vereadores. Agora, o projeto de lei segue para as comissões de Finanças, Orçamento e Fiscalização; além da de Transporte, Trânsito e Serviços Municipais, antes de ir para votação em plenário. Nenhum representante do Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia foi encontrado para comentar o assunto até o fechamento da reportagem.

Exigências da lei 9.283/2017 para os veículos:

I – idade máxima de cinco anos para os veículos a gasolina, álcool, diesel, elétrico e bicombustíveis, contados a partir da emissão do primeiro Certificado de Registro e Licenciamento de Veículos (CRLV)

II – idade máxima de sete anos para os veículos adaptados, diesel, híbridos e elétricos, contados da emissão do primeiro Certificado de Registro e Licenciamento de Veículos (CRLV)

III – cor branco, com programação visual definida pela Setax

IV – quatro portas laterais

V – capacidade de cinco a sete passageiros, incluído o motorista

VI – motorização mínima de 1.000 cilindradas;

VII – ar-condicionado;

VIII – capacidade mínima de porta-malas de 290 litros, não computado o volume ocupado pelos cilindros de GNV, se for o caso

IX – taxímetro eletrônico devidamente homologado, aferido e lacrado pelo órgão competente

X – licenciamento em Salvador.

Exigências da lei para os condutores:

I – ser maior de 21 anos e possuir nacionalidade brasileira

II – comprovar residência em Salvador

III – estar habilitado há, no mínimo, dois anos para conduzir veículo automotor nas categorias B, C, D ou E

IV – comprovar a propriedade do veículo a ser vinculado à autorização ou à titularidade de contrato de arrendamento mercantil do automóvel

V – apresentar atestado médico que comprove estar em condições físicas e mentais para o exercício da atividade de taxista

VI – apresentar extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS)

VII – apresentar Certificado de Antecedentes Criminais

VIII – apresentar as certidões negativas, cíveis e criminais, expedidas pela Justiça Federal, Estadual e Eleitoral

IX – comprovar a regularidade fiscal para com as Fazendas federal, estadual e municipal, bem como para com a Seguridade Social

X – comprovar a quitação do imposto sindical do exercício, em conformidade com a Lei Federal

XI – não ser detentor de outorga de permissão ou autorização de serviço de qualquer natureza expedida pela Administração Pública federal, estadual ou municipal

XII – estar inscrito no cadastro da Secretaria Municipal da Fazenda na qualidade de autônomo

XIII – estar habilitado em curso de relações humanas, direção defensiva, primeiros socorros, mecânica e elétrica básicas de veículo

XIV – manter o veículo a ser vinculado à autorização com as características exigidas pela autoridade de trânsito, e devidamente inspecionado, anualmente, pela Semob

XV – possuir certificação específica para exercer a profissão de taxista, emitida pelo órgão competente da localidade da prestação de serviço

XVI – estar inscrito e regular como segurado do regime de previdência social, apresentando a respectiva Declaração de Regularidade de Situação.