Violência doméstica

Violência doméstica: ‘Com medo de morrer, fiquei com ela

A companheira de Alex foi a primeira mulher presa por comportamento coercivo e controlador no Reino Unido. Agora ele está tentando combater o estigma em torno do abuso doméstico masculino.

Alex Skeel, de 22 anos, concedeu o depoimento abaixo à jornalista Sophie Haydock, da BBC Three sobre a Violência doméstica que passou ao lado da companheira.

Nunca vou esquecer o dia em que minha namorada, Jordan, jogou água fervendo em mim pela primeira vez. Ela me encurralou em um canto na nossa casa em Bedfordshire, na Inglaterra, com uma chaleira fervendo na mão. Nós ficamos juntos por três anos, e o que começou com pequenos gestos, ela me dizendo para não usar a cor cinza ou que não gostou do meu penteado – se transformou em uma campanha de nove meses de abuso físico. Eu tive muito medo dela.

Ainda posso ver aquela primeira pequena gota de água caindo na minha pele. Tudo aconteceu em câmera lenta. Depois, minha pele começou a arder. Nunca senti uma dor como aquela. Implorei a ela que me deixasse entrar em uma banheira com água fria – era a única coisa em que eu conseguia pensar que poderia parar aquela queimação. Ela me deixou entrar, e o alívio foi imediato. Você não pode imaginar como é maravilhoso mergulhar o corpo na água gelada depois disso. É a melhor sensação do mundo. Mas ela disse que eu precisava sair – ou faria tudo de novo.

Se eu começasse a gemer, dizendo que doía, ela falava: “Volta para o banho então”. E faria exatamente a mesma coisa, me fazendo sair de novo. Tudo se resumia a jogos mentais com ela. Ela queria controlar todos os aspectos da minha vida. Lembro-me de ter deitado na banheira sem roupa. Parecia que eu estava em um forno, cozinhando. Minha pele estava descascando. Foi absolutamente horrível.

Os dados mais recentes do Crime Survey para Inglaterra e País de Gales mostram que, no ano que terminou em março de 2018, cerca de 2 milhões de adultos com idades entre 16 e 59 anos sofreram abusos domésticos no último ano, deste total, cerca de um terço é composto por homens.

Estima-se também que um em cada cinco adolescentes tenha sido fisicamente abusado pela namorada ou namorado. E isso está acontecendo com os homens muito mais do que a maioria das pessoas imagina.

A polícia na Inglaterra e no País de Gales registrou quase 150 mil incidentes de abuso doméstico contra homens em 2017 – mais do que o dobro do número registrado em 2012. De acordo com uma instituição de assistência social, menos de 1% dos leitos de abrigos para abuso doméstico na Inglaterra é destinado a homens, sendo nenhum em Londres.

Violência doméstica

Alex ao lado de Jordan: ‘Eu a amava, apesar de tudo’

Distância de amigos e familiares

Jordan Worth e eu tínhamos 16 anos quando nos conhecemos em 2012. Ela tirava boas notas na escola e conseguiu uma vaga na Universidade de Hertfordshire, na Inglaterra, para estudar arte. Queria ser professora. Naqueles primeiros meses, estava tudo bem. Nós nos divertíamos muito juntos e fazíamos programas corriqueiros, como assistir a filmes e sair para passear. Para mim, era uma novidade contar aos amigos que eu tinha uma namorada. Eles perguntavam: “O que você fez no fim de semana?”, e eu podia dizer que estava com ela.

Mas em pouco tempo Jordan tinha me isolado completamente dos amigos e da família – me impediu de vê-los e tomou conta até do meu perfil no Facebook – uma tática clássica de abuso doméstico. Eu não tinha a quem recorrer.

Ela começou a me negar comida, o que significa que eu perdi muito peso. Eu poderia tentar desafiar o comportamento dela, mas ela inverteria a situação e encontraria uma maneira de me tornar parte do problema. Eu sabia que não era minha culpa, mas ela continuaria me convencendo do contrário.

Você acaba pensando: ‘O que estou fazendo de errado?’ E se você faz algo diferente, ouve reclamação por ser diferente. Quando ela me dizia: “Não gosto da cor cinza”, ou “não gosto desse sapato”, eu pensava: “Tudo bem, não vou usar”, porque queria impressioná-la. Mas, na verdade, ela estava me moldando para ser a pessoa que ela queria que eu fosse. Isso prejudica a sua confiança. Você está lutando em uma batalha que nunca vai ganhar. É muito frustrante.

Nós tivemos dois filhos juntos e eu continuei esperando que algo mudasse. As crianças eram bebês, mas, é claro, devem ter visto o que estava acontecendo e, embora ela não as machucasse diretamente, meu medo era sempre que, se eu fosse embora, ela abusaria delas. Então eu fiquei.

É claro que houve alguns momentos genuinamente bons ao lado de Jordan – momentos em que fui feliz, em que rimos e nos divertimos juntos. Não foi um pesadelo o tempo todo. E eu realmente queria tentar fazer o relacionamento dar certo. Eu a amava, apesar de tudo.

Início das agressões físicas

Foram 18 meses até o abuso mental se tornar físico. Tudo começou quando ela passou a dormir com uma garrafa de vidro na cabeceira. Ela me acusava de fazer coisas com outras garotas, de bater papo e trocar mensagens, o que era mentira. Insistia que alguém tinha contado a ela, mas mais tarde descobri que ela estava inventando. Ela esperava eu pegar no sono e batia com a garrafa na minha cabeça. “O que você está pensando?”, ela perguntava.

Depois de um tempo, chegou uma hora que não doía mais. Eu estava tão acostumado com a dor que nem sentia. Foi quando ela avançou para o próximo estágio, encontrando uma maneira pior de me machucar. Depois da garrafa, veio o martelo. E, na sequência, qualquer objeto que ela pudesse encontrar para me bater.

Uma vez, foi um carregador de laptop. Ela enrolou o fio em volta do pulso, mas com um pouco de folga, e arremessou a tomada de metal na minha cabeça. O sangue começou a jorrar. Eu estava caído no chão. E pedi chorando: “Por favor, você pode me ajudar?”, enquanto Jordan subia as escadas rindo. Ela dizia: “Por que você simplesmente não morre? Ninguém se importa com você”.

Em determinado momento, Jordan começou a usar facas. E a me atacar. Uma vez, quase acertou uma artéria importante no meu pulso. Depois disso, veio a água fervendo. Eu tive queimaduras de terceiro grau. Sempre que me acostumava com a dor, ela avançava um nível. O estágio depois da água fervendo teria sido a morte.

É claro que eu estava com medo de Jordan e do que ela faria. Eu sentia que, se tivesse dito alguma coisa, ela poderia ter me matado. Eu ia para o hospital e dizia que tinha tropeçado, batido a cabeça ou que a água quente do chuveiro me queimou. Um vizinho ligou para a polícia algumas vezes por causa dos gritos, mas eu inventava desculpas e mentia. Não era a coisa certa, mas fiz isso para salvar minha vida. Eu vivia com manchas roxas nos olhos e em outros lugares. Ela botava maquiagem em mim para encobrir o que tinha feito.

Eu podia sentir meu corpo definhando. Perdi 31 kg. Mais tarde, os médicos me disseram que cheguei muito perto de morrer porque fui privado de comida por muito tempo e meus ferimentos eram muito sérios.

Tudo terminou em 2018, quando um policial foi até a nossa casa para dar seguimento a uma visita anterior e me interrogou. Toda a verdade veio à tona. Meus ferimentos eram muito graves naquele momento, e eu estava muito magro por causa da perda de peso. Eu tinha negado tudo até aquele momento. Mas não aguentava mais.

Se a polícia não tivesse feito uma intervenção naquele exato momento, eu estaria morto. Não tenho dúvidas disso. Tive bastante sorte – eu digo sorte – porque tinha tantos ferimentos que as evidências eram muito fortes, o que ajudou a colocá-la atrás das grades.

A motivação de Jordan, acredito eu, era puro ciúme. Eu era muito próximo da minha família e tinha amigos brilhantes, e ela me afastou de tudo isso. Me afastou de tudo que eu já tive. Lembro que ela me disse uma vez: “Quero arruinar sua vida”.

Embora 1 em cada 6 homens sofra abuso doméstico em algum momento de suas vidas, apenas 1 em cada 20 procura ajuda.

Jordan nunca se arrependeu. Mesmo quando foi interrogada pela polícia. Acho que ela estava mais preocupada com a possibilidade de ser presa do que com o que tinha feito comigo. Ela se declarou culpada no tribunal, imagino eu, para ter uma pena mais leve.

Não sei como Jordan justificou esse tipo de comportamento para si própria. Acho que as pessoas que cometem abuso doméstico fazem isso porque se divertem. É como uma droga, um vício. E quanto mais elas fazem isso, mais pensam que podem se safar – e só vai piorando. É como se elas estivessem no céu, e você no inferno. Elas conseguem o que realmente querem. Esse controle completo. E você passa por situações que nunca imaginou na vida. Até que eles são descobertos. E é um enorme choque para eles.

‘Não sabia o que fazer’

Eu tinha ouvido falar de abuso doméstico masculino antes de conhecer Jordan. Sabia o que ela estava fazendo. Sabia que era muito, muito ruim. Mas não sabia o que fazer. Durante tudo isso, nunca fui capaz de pensar em uma acusação pela qual ela poderia ser presa, porque não fazia a menor ideia.

Eu nunca corri para sair dessa situação, por mais estranho que pareça. Não havia como escapar. Eu literalmente não tinha nada. E, claro, tivemos dois filhos juntos. Eu só esperava que aquilo tudo passasse. Se ela me batia menos, era um dia ótimo. Simples assim.

Minha preocupação era com as crianças, com o bem estar delas. Você nunca pode falar para alguém sair de uma situação como essa. É a pior coisa. Você precisa dizer apenas: “Olha, se você precisar conversar comigo, estou aqui”.

Jordan foi condenada a sete anos e meio de prisão em abril de 2018. Ela admitiu ter comportamento coercivo ou controlador em um relacionamento íntimo, ferindo com intenção e causando sérios danos corporais.

Quando ouvi a sentença, nem sequer reagi. Não me incomodo com as coisas agora. Se o meu time de futebol vence, eu costumava ficar eufórico, mas agora é mais ou menos como “missão cumprida”. Acho que é por causa do trauma que passei. Quando o veredicto chegou, fiquei tipo “justiça foi feita”. Depois, senti um alívio enorme – um peso enorme saiu dos meus ombros. Assim que soube que ela estava a caminho da prisão, pela primeira vez em cinco anos, consegui olhar para trás sem um pingo de preocupação.

As crianças não sabem o que está acontecendo. Eu guardei muitas informações e documentos judiciais para elas lerem quando forem mais velhas. Quando estiverem maduras o suficiente para entender, vou explicar a elas. Desde que me digam um dia: “Você fez um bom trabalho, pai”, é tudo o que me interessa.

Jordan foi a primeira mulher no Reino Unido a ser presa por comportamento coercivo e controlador. Isso mostra que a questão está sendo levada a sério. Há muito estigma que impede os homens de se manifestarem e muitas vezes a polícia não leva a sério a violência contra o sexo masculino. Os homens são frequentemente deixados de fora das campanhas de abuso doméstico. Está errado. O que o gênero tem a ver com isso?

Não sou idiota o suficiente para pensar que todo mundo vai ser como Jordan. Mas não estou pronto para outro relacionamento agora. Só quero aproveitar as coisas que eu costumava curtir quando era criança, porque Jordan levou tudo isso para longe de mim e destruiu tudo, como troféus de futebol, ingressos para partidas de futebol, tudo destruído. Tenho que tentar reconstruir isso, o que tenho feito com a ajuda de instituições de apoio a vítimas de abuso doméstico masculino. No futuro, gostaria de abrir um abrigo para homens que foram vítimas de abuso.

Às vezes penso que o principal motivo de eu estar vivo é para aumentar a conscientização sobre o tema. Por que a facada não pegou no lugar errado? Por que não fui ferido no lugar errado? Nunca tive traumatismo craniano e fui agredido milhares de vezes. Isso me surpreende. Por que não? Deve haver uma razão para isso. O motivo é ajudar as pessoas. Só espero que a situação melhore para outras vítimas.