Salvador

Baiana de 45 anos foi reinfectada por uma nova variante encontrada incialmente na África do Sul; ela teve sintomas mais graves na segunda contaminação

Salvador entrou para a história da pandemia de covid-19 por ser o primeiro lugar em todo o mundo onde foi registrado o primeiro caso de reinfecção causado por uma mutação do coronavírus encontrada inicialmente na África do Sul. Uma mulher de 45 anos, funcionária executiva de um hospital de Salvador, foi inicialmente infectada em 20 de maio de 2020 e, 159 dias depois, em 26 de outubro, testou novamente positivo, desta vez apresentando sintomas mais graves.

Veja também: Menina filma estupro cometido pelo pai em Salvador! Veja:

Os dois resultados foram obtidos através de testes RT-PCR, aquele no qual são coletadas amostras de secreção do nariz e garganta através de swabs (cotonetes). “Então observamos o sequenciamento do genoma da covid-19 que estava presente na primeira e na segunda amostra. Concluímos que eles são de linhagem diferentes e, de modo surpreendente, observamos na segunda amostra, a coletada mais recente, a mutação da África do Sul. Isso é preocupante”, explica o médico Bruno Solano, do Hospital São Rafael e do Instituto D’Or de Ensino e Pesquisa.

Foi Bruno quem liderou o estudo que concluiu o caso de reinfecção. Também colaboraram profissionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), além do próprio Instituto D’Or. A pesquisa já foi submetida à revista científica Lancet, que vai revisar os dados. Todo o estudo só foi possível, pois as amostras coletadas nos testes RT-PCR são armazenadas em ultrafreezers a -80ºC. Atualmente, outros 20 possíveis casos de reinfecção são estudados pelo grupo.

“Eu não ficaria surpreso se sair mais resultados como esse nos próximos dias. Pode ser que essa mutação esteja circulando amplamente. É possível ser identificado em outros contextos e em outros lugares”, afirma o doutor. Esse foi o primeiro caso de reinfecção na Bahia e o segundo do Brasil confirmado. Foi também a primeira vez que essa mutação foi identificada na Bahia. No entanto, em dezembro do ano passado, essa linhagem já tinha sido encontrada no Rio de Janeiro, mas não em um caso de reinfecção.

“É preciso ficar claro: a reinfecção é uma realidade. Ainda é considerada um evento raro, mas acontece. No geral, observamos que quem se infecta tem uma resposta imune até duradora. São poucos os casos de reinfecção”, tranquilizou o médico. Ele destacou ainda que não é possível afirmar que o aumento de casos de covid-19 observado nos últimos dias tenha relação com essa mutação. “Nós e redes de pesquisadores do mundo inteiro estamos acompanhando casos, amostras e analisando quais variantes estão circulando no país para termos essa resposta”, disse.

Cuidados 

O nome científico dado a essa mutação é E484K. Ela é mais contagiosa, pois pode dificultar a ação de anticorpos contra o vírus. A própria pessoa infectada na Bahia apresentou sintomas mais graves na segunda infecção, embora em ambos os casos ela conseguiu ficar curada em casa. Atualmente, o estado de saúde dela é bom.

“Essa mutação altera uma proteína do vírus, justamente a que ele usa para atacar a célula. Uma vez alterado, ele pode ser mais infectante e evadir do sistema imunológico. Por isso, os anticorpos do doente pode ter mais dificuldade em dar conta do vírus”, explicou Bruno Solano.

Se a realidade pode assustar, a receita para lidar com o vírus continua a mesma. Antônio Bandeira, médico infectologista técnico da Vigilância Epidemiológica do Estado da Bahia, explicou que quem já pegou o vírus pode ser novamente infectado e, para evitar isso, é importante manter todos os cuidados.

“Nós comprovamos mais uma vez no Brasil a reinfecção. De fato ela existe. Isso mostra o quanto é importante a manutenção dos cuidados, mesmo para quem já foi infectado pelo vírus. As pessoas não devem baixar a guarda. Tem que se proteger, usar o álcool em gel, higienizar as mãos, fazer o distanciamento. Isso é fundamental”, aponta Bandeira.

Por mais que haja apenas dois casos de reinfecção comprovados no país, isso não significa que o número não possa ser maior. “Dois foram absolutamente comprovados por comparação de linhagem. Mas existe, do ponto de vista clínico, epidemiológico e laboratorial, evidencias muito fortes de outros casos de reinfecção”, garante.

Estudos 

Para uma reinfecção ocorrer é preciso que o Sars-CoV-2 responsável pela segunda infecção tenha um material genético diferente do que havia invadido o organismo na primeira vez. Só é possível comprovar isso com estudos genéticos de amostras coletadas e armazenadas corretamente de pacientes testados por exames RT-PCR. Essa realidade contribui para uma subnotificação dos casos de reinfecção em todo o mundo.

“Essa mutação está circulando aqui na Bahia. Isso aumenta a transmissibilidade do vírus. A gente vai ficar atento a resposta das pessoas em relação aos níveis de anticorpos neutralizantes e também em relação as vacinas. Até o momento, todas as vacinas tem sido mostradas cobrindo todo o tipo de mutação descoberta”, relata Antonio Bandeira.

O médico do Hospital São Rafael também acredita que essas novas mutações não devem afetar o desempenho da vacina já produzida, mas sim acelerar a nossa necessidade por tomar o imunizante. “Nossa expectativa é que a vacina funcione para todas as cepas existentes hoje. A gente não pode ainda falar sobre o futuro”, explicou Bruno Solano. Segundo o pesquisador, o estudo por ele liderado não tem relação com a pesquisa que desenvolveu a vacina de Oxford/AstraZaneca no Hospital São Rafael.

Até o momento, o Governo do Estado investiga outros 118 casos suspeitos de reinfecção na Bahia em pacientes com faixas etárias de 5 a mais de 80 anos. Deste total, há 82 notificações para o sexo feminino e 36 para o sexo masculino. Desse total, 46 casos investigados de reinfecção são de Salvador, investigado pelo Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS).