Conder despeja centenas de famílias em Lauro de Freitas

Companhia e Polícia Militar estiveram no Loteamento Jardim do Edén na manhã desta terça-feira (31)

Barracos e moradias improvisadas de 230 famílias que ocupavam um terreno no bairro de Vida Nova, em Lauro de Freitas, foram desfeitos por uma ação da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado (Conder), com o apoio da Polícia Militar, na manhã desta terça-feira (31).

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Segundo relatos, a PM e prepostos da estatal apresentaram uma ação de reintegração de posse e deram meia hora para que as pessoas retirassem seus pertences. Porém, o documento se referia a um outro processo.

“O capitão que estava à frente da tropa disse que tinha uma ordem judicial de despejo. Pedi pra ver e quando eu vi, se referia a um processo judicial de 2009, cuja decisão saiu em 2014, reconhecendo que a terra pertence a Conder, mas isso contra uma outra pessoa que havia cercado o terreno.

O processo era sobre um outro fato e outra alegação, não vale de nada para essa situação”, explica o advogado Caio Rocha. “Eles ficaram de voltar amanhã e ameaçaram cercar o terreno de tapume”, complementa.

Em nota enviada, a Conder informou que a empresa é proprietária do imóvel e que durante a ação de cercamento da área, “chegaram ao local pessoas que moram nas imediações do loteamento, mas que não ocupavam o terreno em questão, onde se verificou apenas delimitações improvisadas, demonstrando o caráter orquestrado para uma futura ocupação irregular”.

A estatal reforça que o terreno tem utilidade pública ainda a ser definida.

Também em nota, a PM alegou que esteve no local apenas para prestar apoio a ação de despejo.

Famílias sem opção

Parte das famílias que buscam residir no terreno batizado de Loteamento Jardim do Éden, moram em ruas próximas, porém em condições precárias, como é o caso da catadora Helena Gomes, de 56 anos. Ela mora na Rua Acalanto, em uma casa de tapume apoiada por madeiras, junto com netos e filhos. Quando chove, uma lagoa transborda e inunda a residência de Helena e dos vizinhos. Ela e a família tentam levantar um imóvel no Loteamento na intenção de melhorar as suas condições de moradia

“Nós precisamos lutar por essa terra para ter nosso pedaço. Nós só queremos moradia digna”, diz a catadora emocionada.

Situação parecida passa Dimas Teixeira Santos, 24. Vivendo de bicos, ele mora com a filha de dois anos e a esposa, na Rua Marta de Aguiar e teve que sair da casa construída com blocos e muito sacrifício há cerca de três meses, após perder tudo numa forte chuva. Agora estão morando de favor na casa de um familiar.

O imóvel foi construído por ele, elevado em cerca de um metro do chão, porque fica na beira de um rio. Mas a ideia não surtiu muito efeito, já que a água costumava entrar em dias de tempestades, que também traziam visitantes indesejáveis como sapos, cobras e jacarés. No Jardim do Edén ele tenta dar um lugar mais tranquilo para criar a filha.

“Estou com uma criança, por isso que eu estou lá, suando para sair daqui. Como é que eu vou criar minha filha em um rio ?”, questiona. “Nós só vamos sair de lá se alguém bem grande tirar”, desabafa.

Tanto Helena quanto Dimas dizem que a Conder chegou a garantir para eles uma moradia em um conjunto habitacional. Mas os moradores da região afirmam que a promessa já dura cerca de três anos e mais nada foi feito, além da numeração das residências e reuniões.

Também lutando por moradia está a diarista Rejane Silva da Cruz, 47. Ela e a família vieram de Jacobina e estão tentando a sorte em Salvador. Cerca de 15 pessoas estão na ocupação, entre crianças, jovens e adultos.

“Estamos lutando por uma moradia, para nossos filhos e netos. Não temos para onde ir. Moramos de aluguel e estamos todos desempregados. Queremos ter uma casa, nem que seja de palha. Acho que dormir ao relento não é uma vida digna pra nenhum ser humano”, diz.

Antes acostamada a fazer de três a quatro faxinas por dia, Rejane não consegue mais serviço depois que a pandemia do novo coronavírus se instalou na Bahia. Também nenhum parente consegue emprego. Para se alimentar, eles contam com doações e a colaboração de companheiros que também estão constuindo suas casas no local.

“Aqui é um fazendo pelo outro. Alguém traz pão,outra pessoa traz o açucar, o outro café e assim vai. Hoje um rapaz doou cabeça de peixe, que foi o almoço de todo mundo aqui”, relata.

Apesar da ação desta manhã, as famílias que tiveram suas construções destruídas continuaram no local e já providenciaram reiniciar as obras de suas moradias.

Procurada novamente pela reportagem, a Conder assume que realizou o cadastro de famílias para serem realocadas por causa de uma obra de macrodrenagem para reduzir as constantes enchentes no município, nos rios Joanes e Ipitanga.

Conder

“A intervenção no local está prevista para a última fase do projeto, até lá todas as famílias que já estejam cadastradas e precisem ser realocadas poderão optar por receber uma unidade habitacional ou serem indenizadas por suas moradias.

O projeto está sendo executado de forma a minimizar o número de realocações e oportunamente a equipe social da Conder realizará reuniões e fornecerá as orientações a todas as famílias afetadas”, diz o comunicado.

A reportagem tentou entrar em contato com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania (Semdesc), da Prefeitura de Lauro de Freitas, para saber o que pode ser feito para auxiliar essas pessoas em situação de vunerabilidade, mas até o momento da publicação dessa matéria não obteve resposta.