Cobrança da taxa de esgoto

Cobrança da taxa de esgoto é considerada ilegal. Tributo não foi criado por lei e ainda assim tem de ser pago por pessoas que não utilizam rede de esgotamento sanitário

A Cobrança da taxa de esgoto– serviço de saneamento básico (coleta e tratamento de esgotos) fornecido pela Embasa – é considerada ilegal e inconstitucional pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).A afirmação foi confirmada pelo juiz Ricardo d’Ávila, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Salvador. “Por ter que pagar compulsoriamente pela prestação do serviço público e por ser um monopólio, a cobrança se torna um tributo (taxa ou imposto), tendo que ser instituído por lei, conforme prevê a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional”, explicou.

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Mas no Estado da Bahia, a contraprestação do serviço público fornecido pela Embasa foi instituída por meio do Decreto 7.765/00 e, dessa forma, explicou o juiz, não poderia ter o caráter da coejitividade, ou seja, o usuário não poderia ser coagido a pagar, sob pena de sofrer multas e outras penalidades, como o “nome sujo”.

A realidade é que o consumidor é obrigado a pagar para ter acesso a água tratada e à rede de saneamento básico fornecido pela estatal, que detém o monopólio do serviço, a partir do momento em que a rede é disponibilizada ao estabelecimento, independentemente do seu uso efetivo.

Mesmo que o usuário já tivesse um sistema alternativo, como o uso de fossas sépticas, a Embasa cobra pelo serviço através de uma tarifa mensal que incide sobre o valor da conta de água do imóvel, de 45% ou 80% do consumo. O entendimento do STJ e do STF é de que a cobrança compulsória tem natureza tributária.

“Apesar de ter as características de um tributo, sendo um pagamento obrigatório independentemente da prestação efetiva do serviço, bastando que seja potencial, a cobrança foi instituída na forma de tarifa por meio de decreto, quando deveria ser uma taxa criada por uma lei”, afirmou o advogado Rodrigo Zúniga, que entrou com diversas ações de consumidores e empresas contra a cobrança da taxa de esgoto.

LEGALIDADE ESTRITA – Para se tornar legal, explica o advogado, a taxa de esgoto cobrada pela Embasa deve ser instituída com a definição de todas as suas bases de cobrança, mediante lei, conforme assegurado pelo princípio da legalidade estrita, disposto através dos artigos 150 da Constituição Federal e 97 do Código Tributário Nacional.

A base de cálculo adotada para a cobrança da remuneração pelos serviços de saneamento básico também é ilegal, segundo o advogado. “Ao eleger como base de cálculo o valor da tarifa de água, o Estado incorreu em afronta direta ao disposto no Artigo 145, inciso II, da Constituição Federal e Artigo 77 do Código Tributário Nacional. Isto porque as taxas estão vinculadas à prestação de serviços específicos e divisíveis, assim como a base de cálculo. O volume de esgoto de cada residência deveria ser medido com um relógio, assim como é feito com o consumo de água.

Síndica de um prédio de 30 apartamentos localizado em um conjunto habitacional no bairro do Rio Vermelho, Marilúcia Santana não acha justo que a taxa de esgoto seja repartida de forma eqüitativa entre os moradores. A conta de água do mês de fevereiro veio R$ 609,60 de água e R$ 487,78 de esgoto. “Desse jeito, encarece muito a conta e não adianta a gente reclamar. Tem que pagar. A gente não sabe se isso é correto, ou se o volume de esgoto gerado pelo prédio foi realmente este”, questiona. “Esse procedimento não está em sintonia com a especificidade e divisibilidade do serviço público objeto da taxa”, arremata o advogado.

Quem utiliza fossa séptica também tem de pagar

O Decreto nº 7.765/00 é categórico em estabelecer que o serviço de esgoto é imposto ao cidadão mediante a interligação compulsória do imóvel de sua propriedade à rede de coleta sanitária administrada pela concessionária do serviço público, quando posta à sua disposição, não podendo o mesmo optar pela utilização de sistema alternativo. “Mesmo que faça uso de fossa, o cidadão é obrigado a fazer a ligação à rede”, explicou o advogado.

Por ser um tributo, a taxa de esgoto também não poderia estar atrelada ao consumo de água. “São serviços distintos. Uma coisa é o fornecimento de água e outra é o serviço de tratamento do esgoto”, informou o juiz Ricardo d’Ávila, e nem cobrar índices percentuais diferentes (45% e 80%) para usuários que irão usufruir do mesmo serviço.

CRITÉRIOS – A norma estadual de adotar critérios diferenciados na cobrança do valor da tarifa de esgoto – 45% sobre valor da conta de água, para condomínios, conjuntos habitacionais e loteamentos, enquanto, para os imóveis enquadrados nas demais situações é 80% sobre o mesmo valor – fere o princípio constitucional da isonomia. “Se há uma mesma rede para todos, não há razão para que uns paguem menos do que os outros”, esclarece Zúniga.

O juiz Ricardo d’Ávila, que preside a 5ª Vara da Fazenda Pública Administrativa, declarou-se incompetente para julgar as inúmeras ações propostas por consumidores, empresas e indústrias contra a Embasa, argüindo a inconstitucionalidade da cobrança. Isto porque entende que a cobrança tem caráter tributário, seguindo o mesmo pensamento do STF e do STJ, e os processos foram novamente distribuídos para as outras seis varas tributárias de Fazenda Pública.

“O próprio Tribunal de Justiça da Bahia, com base em julgamentos do STF e STJ, já afirmou a natureza tributária da cobrança ao anular as decisões de Varas do Consumidor e Cíveis sobre a questão e encaminhá-las para as Varas de Fazenda Pública”, diz o advogado Rodrigo Zúniga.

OBRIGATORIEDADE – Na Bahia, de acordo com Zúniga, a Lei nº 7.307/98 dispõe apenas sobre a ligação de efluentes à rede pública de saneamento básico. “A lei existente estabeleceu a obrigatoriedade das ligações de esgoto sanitário em áreas dotadas do correspondente sistema de esgotamento sanitário e fez uma breve menção sobre a remuneração pelo serviço. A forma de cobrança por meio de tarifa foi instituída pelo Decreto Estadual nº 7.765/00”, explica.

Segundo ele, a condição atual de tarifa dá liberdade ao poder público de fazer alterações convenientes aos seus interesses de forma unilateral, podendo prejudicar o direito do cidadão.

O coordenador substituto do Procon, Márcio Pedreira, informou que a orientação dada aos contribuintes que estão pagando a taxa de esgoto e questionam sua legalidade é entrar com uma ação judicial nas Varas de Fazenda Pública requerendo ainda o valor pago nos últimos cinco anos.

Isto porque o Procon é um órgão administrativo e apenas executa o que está na lei vigente aprovada na Assembléia Legislativa. “Só quem pode se manifestar é o Judiciário. O Procon não pode afirmar sua ilegalidade, até porque foge da alçada do direito do consumidor e entra na área do direito tributário”, explicou.

NÚMEROS

825 mil é a quantidade de moradores de Salvador que não têm acesso aos serviços de saneamento básico

Embasa avisa que não há isenção

A assessoria de imprensa da Embasa informou, em nota enviada a A TARDE, que não compete ao órgão a formulação de uma nova lei, porque “as leis emanam dos poderes concedentes, em cumprimento à Lei Federal de Concessões”. Segundo a nota, a tarifa foi estabelecida pela Lei Estadual 7.703/98 e regulamentada por decreto, não ferindo assim nenhum procedimento estabelecido nas constituições Federal e Estadual.

A nota não explica por que a remuneração pelo serviço de coleta e destinação final de esgoto é de 80% do valor do consumo de água. Apenas diz que as leis ambientais proíbem o lançamento de esgoto no meio ambiente, visando proteger a natureza e a saúde pública, e também porque as leis municipais proíbem o lançamento de esgoto na rede de drenagem pluvial para não causar entupimentos. E justifica com isso a obrigatoriedade da cobrança de todos os imóveis interligados à rede de esgotamento sanitário.

A assessoria explica também que, seja quem quer que esteja com seu imóvel interligado à rede pública coletora de esgotos, não poderá usufruir de isenção, ou seja, não pode deixar de pagar pelos serviços usufruídos. A diferença da cobrança dos percentuais na conta de água é justificada pelo fato de que os custos de operação dos sistemas condominiais diminuem.

“Estes sistemas foram projetados e construídos para atender à população que habita ocupações desordenadas, sem arruamento definido e com topografia acidentada, onde moram pessoas de baixa renda. Para tornar mais fácil o acesso ao serviço de saneamento básico, as áreas atendidas pelo sistema condominial de esgotamento sanitário são divididas em quadras, formando condomínios onde os moradores são responsáveis pelos ramais internos, cabendo à Embasa a manutenção da rede em geral. São serviços de coleta e manutenção de sistema diferenciados.

A Embasa explica por último que, por se tratar de concessionária, cujo regime jurídico é privado, não tem competência para cobrar tributos, ou seja, não tem competência para cobrar taxa, o que cabe à administração pública direta. Esclareceu ainda que a tarifa cobrada na Bahia é uma das mais baixas do País e que o novo emissário submarino de Jaguaribe não vai aumentar o preço do serviço de esgotamento sanitário de Salvador