BDM torturou e matou ele, diz parente

A facção criminosa Bonde do Maluco (BDM) é apontada por moradores do Planeta dos Macacos, no bairro de São Cristóvão, em Salvador, como responsável pela tortura e morte do estudante Jonas Ribeiro dos Santos Neto, 17 anos. O corpo do jovem foi encontrado na manhã de sábado (5), no porta-malas de um Fiat Palio Branco, a um quarteirão da casa da família, com mãos e pés amarrados, além de um saco na cabeça.

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A polícia já havia informado a suspeita do envolvimento de um grupo criminoso no assassinato – sem citar, no entanto, qual seria a facção. A Polícia Civil afirmou, por meio da assessoria, que a autoria e a motivação do crime seguem sendo investigadas.  O adolescente foi sepultado na tarde desta terça-feira (8), no Cemitério Municipal de Itapuã.

Em conversa com o CORREIO, um familiar do jovem, que preferiu não se identificar, afirmou que o corpo de Jonas estava sem dois dedos do pé esquerdo, o que aumentou os indícios de que membros do BDM são mesmo os responsáveis por torturar e matar o estudante, já que o lema do grupo é “tudo três”.

O corpo de Jonas foi achado em estado avançado de decomposição e, só no final da tarde desta segunda-feira (7), a família recebeu a confirmação do Departamento de Polícia Técnica (DPT), após análise das impressões digitais, de que o cadáver era do garoto, até então, desaparecido.

“Deixaram três dedos, deram muitas facadas nele, além de tiros. Foi uma covardia enorme o que fizeram com o menino. Um garoto querido, que não fazia mal a ninguém, absolutamente ninguém. Hoje, uma família, um bairro inteiro chora essa perda”, lamentou o rapaz.

Segundo a família, como o corpo estava sujo de terra, a suspeita é de que o garoto tenha sido enterrado depois de ser morto. Familiares também afirmaram à reportagem que durante as buscas da polícia pelo jovem, na região do Parque das Bromélias, o cadáver de um homem foi encontrado enterrado em cova rasa.

O CORREIO procurou a Polícia Civil, que não confirmou a descoberta do corpo. Por meio da assessoria, a pasta disse que precisava de mais detalhes para verificar a veracidade da informação.

BDM

“Aquele Parque das Bromélias é um lugar macabro. Lá é comum encontrar corpos enterrados em cemitérios clandestinos. E possivelmente só largaram o corpo dele lá [no carro] por causa da procura, que se tornou pública”, completou o parente.

O fato do cadáver do garoto ter sido deixado na localidade do Planeta dos Macacos, tão próximo da casa da vítima, foi uma tentativa do BDM se  “eximir da culpa”, acreditam os moradores.

“É uma guerra triste. BDM [presente no Parque das Bromélias] mata de lá, joga no Planeta [dos Macacos]. O planeta mata e joga nas Bromélias. É eternamente assim, e eles não estão nem aí que seja inocente”, afirmou uma moradora, também sem se identificar.

Conforme o CORREIO apurou, o Planeta dos Macacos tem a presença de uma facção denominada por “Ajeita”, cujo lema é “tudo a”. Uma fonte policial ouvida pela reportagem disse que o Bonde do Ajeita surgiu como uma ramificação da BDM, mas que atualmente não têm “uma boa relação” naquela região.

A informação foi confirmada por moradores, que garantiram que “o clima é tranquilo” – embora reiterem que é comum ver membros da Ajeita portando armas no Planeta dos Macacos. À reportagem, relataram que já há uma promessa do Ajeita de revidar a morte de Jonas, que eles teriam entendido como um recado da facção rival.

Comoção

Entre abraços e lágrimas, os pais e irmãos de Jonas protagonizaram cenas de tristeza e comoção. Vestidos de branco, a mãe, a dona de casa Tânia Maria Ataíde dos Santos, 52, e o pai, o pedreiro Djalma de Sena Santos, 52, permaneceram inconsoláveis durante a uma hora que o caçula foi velado.

Sob os cuidados dos outros três filhos, Tânia se esforçou e até conseguiu murmurar parte do louvour Filho Meu, do grupo evangélico Diante do Trono. Em certo momento, bem baixinho, questionou: “Por quê o meu filho?”.

Os olhos marejados denunciavam a tristeza que o pedreiro Djalma tentava conter diante da esposa. O olhar do pai até tentava desviar, mas sempre acabava voltado para a foto de Jonas – colada em um dos extremos do caixão branco que abrigou o corpo do caçula.

Aos prantos, a estudante Taíse Mendes, 18, contou à reportagem que o adolescente morto era querido por todos.

“Era um menino do bem, nossa alegria na escola e em todos os lugares onde ele estava. Estamos profundamente triste com esse absurdo, essa covardia que fizeram com ele”, lamentou a menina, que estudou com o adolescente por oito anos, em duas escolas no bairro de São Cristóvão.

Ao lado de Taíse, a também estudante Jaqueline Santos, 16, abraçava a amiga como quem parecia tentar de tudo para tornar a dor menor. “Eu não consigo acreditar, entender, como é que pode? Como algo assim por acontecer e pronto? É muito difícil”, afirmou a amiga de Jonas.

O enterro, que estava marcado para acontecer às 15h, por atrasos na liberação de documentos do cartório, acabou sendo realizado só às 17h, após a chegada do pai do estudante. Antes disso, por volta de 15h, Tânia, já aos prantos, chegou ao cemitério acompanhada dos filhos.

A porta do Cemitério Municipal de Itapuã parecia a sala do velório, mas sem o corpo presente. Os amigos família se aglomeraram para aguardar a chegada de Jonas, que não pôde ser visto, devido ao estado de deterioração.

O professor de boxe Reinaldo Couto, 38, conhecia o jovem morto há três anos. Tempo que a vítima frequentava os treinos do Objetivo Além, um projeto comunitário do bairro de São Cristóvão, onde Jonas nasceu e foi criado. Segundo Reinaldo, os 75 quilos distribuídos em 1,80 m garantiam a Jonas o porte físico ideal para uma atleta.

“O sonho dele era ser lutador. Ele um menino espetacular e dedicado. Humilde, esforçado. Ele era sempre o primeiro a chegar, porque queria ajudar a limpar, organizar a academia”, comentou o professor.

Reinado disse, ainda, que Jonas não podia comparecer aos treinos de preparação física e técnica, que aconteciam sempre cedo, no município de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana (RMS).

“Ele nunca podia ir, por causa do trabalho. Isso acabou retardando a estreia dele. O jeito que encontramos foi treinar ele na tarde e noite. Só agora ele ia realizar a estreia, estava preparado, e aí aconteceu esse absurdo. A covardia que fizeram com o menino, um jovem tão especial”, afirmou o professor, emocionado.

Jonas ia participar do Campeonato Baiano de Estreantes, que acontece no mês de março, logo depois do Carnaval. Seria a primeira participação oficial do estudante no esporte ao qual tanto se dedicava, ainda de acordo com Reinaldo.

Último contato

O adolescente havia saído de casa na tarde de sábado (15) para participar da comemoração de aniversário de um amigo, no bairro de Itapuã. Primeiro a deixar a festa, Jonas saiu do local por volta de 22h. Às 22h30, chegou a falar com uma das irmãs, avisou que já estava no ônibus, a caminho de casa, no bairro de São Cristóvão.

Ele foi assassinado pouco depois. O corpo, encontrado já em estado de decomposição na localidade Planeta dos Macacos, a um quarteirão da casa da família, foi identificado por meio das impressões digitais. Yasmin Ataíde, a irmã mais velha, foi a última pessoa a ouvir a voz do adolescente.

“A ligação durou exatemente 31 segundos. Ele estava tranquilo, bem. Me disse: ‘estou no ônibus, daqui a pouco tô chegando'”, relatou Yasmin ao CORREIO, em referência à ligação, que aconteceu às 22h30 do dia 15.

Às 23h, o celular do jovem chamava, mas já não era atendido. A irmã acredita que Jonas estava sob o poder dos bandidos. Segundo ela, ao passar do ponto, como informou cobrador e motorista à família, o garoto pode ter se sentido inseguro de voltar para casa caminhando e sozinho.

“Como ele sabia que o ônibus retornaria, que não faria ponto, resolveu esperar pra voltar. E aí foi pego, em circunstâncias que só a polícia vão poder dizer. As imagens já estão com a polícia”, afirmou Yasmin.

BDM
Família recebeu foto onde o adolescente aparece machucado (Foto: Reprodução)

Segundo a professora Daila Ataíde, 26, a terceira dos quatro filhos de Tânia com o pedreiro Djalma de Sena Santos, 52, já no domingo, dia 16, segundo dia do desaparecimento, a família recebeu pelo WhatsApp uma foto onde o rapaz aparece machucado. A irmã acredita que o estudante foi morto no mesmo dia 15.

Procurada pelo CORREIO, a Polícia Civil afirmou que teve acesso à foto em que o estudante aparece ensanguentado, mas ainda vivo, vestindo a mesma camiseta preta que saiu de casa. A circunstância em que a imagem foi feita, no entanto, ainda não é conhecida pela polícia.