Bahia

Estado ocupa há cinco anos o posto de campeão nacional em mortes violentas

O desabafo da vendedora Cintia Silva Lima, 43 anos, mãe de Bruno Lima dos Santos, 26, morto em janeiro passado na Boca do Rio, sintetiza o sofrimento imposto pelos altos níveis de criminalidade na Bahia: “A ausência do meu filho acabou comigo”. Bruno caminhava pelo bairro quando foi atingido por disparos efetuados dentro de um carro de forma aleatória. A dor de Cíntia reflete uma realidade assustadora que se traduz nos números. Em média, 17 pessoas são assassinadas por dia no estado, uma a cada 85 minutos, segundo o Atlas da Violência de 2021.

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Os dados mostram também o salto gradual de homicídios no espaço de uma década. Em 2009, foram 5.432. Esse número atingiu o ápice em 2016 e 2017, com mais de 7 mil casos, e recuou para 6.118 vítimas em 2019. Ainda assim, o percentual é 12,6% maior que o registrado dez anos antes. A escalada da violência colocou a Bahia no posto de campeã nacional em números absolutos de assassinatos pela quinta vez consecutiva.

“A violência no estado ao aumentou muito, e segurança só tem a de Deus. A cada dia que passa, vejo mães perdendo filhos. Há poucos dias, fui trabalhar e, na volta, havia dois rapazes assassinados perto do final de linha”, disse Cintia, ao sintetizar a rotina enfrentada pelos moradores da Boca do Rio, um dos bairros da capital onde a violência tem residência fixa e supremacia sobre o destino de quem vive ou frequenta o lugar.

Este ano, de 1º de janeiro a 27 de maio, 636 pessoas foram assassinadas em Salvador e RMS, região em que o município de Camaçari lidera em número de ocorrências, com 85 óbitos registrados nesse período, segundo o boletim da Secretaria de Segurança Pública (SSP).  Ainda de acordo com Atlas da Violência, as vítimas, de modo geral, têm o mesmo perfil: são jovens, negros e de baixa escolaridade.

O atlas é um portal que reúne, organiza e disponibiliza informações sobre violência no Brasil, bem como reúne publicações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre criminalidade e segurança pública. Foi criado em 2016 e é gerido pelo próprio Ipea, com a colaboração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Em relação à taxa proporcional de mortes violentas, a Bahia saltou de 13º em 2007 para o 3º lugar do país em homicídios por 100 mil habitantes. Com índice de 41,1, só perde para Amapá (42,7) e Sergipe (42,3). Em movimento contrário, os três estados com população maior que a da Bahia apresentaram quedas significativas de 2009 a 2019, respectivamente, São Paulo (-48,7%), Minas Gerais (-22,7%) e Rio de Janeiro (-33,8%).

A trajetória galopante da violência coincide com os 16 anos em que o PT comanda o governo do estado. Domínio que começou com a vitória de Jaques Wagner na disputa de 2006, seguida pela sua reeleição em 2010 e dois mandatos do atual governador, Rui Costa, eleito em 2014 e reeleito em 2018. Por relação direta entre números e tempo no qual os petistas estão no poder, é impossível dissociar uma coisa da outra. “Toda vez que a gente vê um ranking das cidades, capitais e estados mais violentos, aparecem municípios baianos, Salvador e Bahia. Isso não é novidade. A gente tem visto acontecer há cerca de 15 anos a repetição dessas notícias”, declarou o professor Luís Lourenço, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre e Crime e Sociedade (Lassos) da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Causa e efeito
Segundo Lourenço, a longa permanência do mesmo secretário de Segurança Pública foi fator determinante para o agravamento do quadro. “E por que isso se repete tanto? Porque a gente teve a manutenção das políticas públicas ligadas à segurança. Nos últimos 15 anos, tivemos um período muito grande com um secretário de segurança. Houve mudança recente, mas não veremos alterações nos números de 2021, porque ainda existe o passivo deixado pelo antecessor”, declarou o pesquisador.

A avaliação tem como protagonista o ex-secretário Maurício Barbosa. Ele assumiu a pasta no início do segundo mandato de Wagner e de lá só saiu até virar alvo, em dezembro de 2020, da Operação Faroeste, que investiga um suposto esquema de venda de sentenças por juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ). Na ocasião, foi afastado por ordem do Superior Tribunal de Justiça. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), o ex-chefe da SSP usava o cargo para proteger integrantes do esquema. Com a saída de Barbosa, a secretaria ficou sob comando do juiz federal aposentado Ricardo Mandarino.

Maurício Telles chegou no comando da SSP em janeiro de 2011 com a missão de reduzir os índices dos crimes contra à vida, mas não foi isso o aconteceu. Em apenas um ano de gestão, os 5.549 homicídios registrados em 2011, saltaram para 6.148 em 2012 na Bahia. Desde então, os dados dos crimes contra à vida oscilaram, na maioria das vezes para mais, como 2016 e 2017, que chegaram à 7.171 e 7.487 homicídios, respectivamente. Mesmo com algumas reduções, como em 2015, quando o estado registrou 6.012 óbitos, a Bahia ocupa desde aquele ano o topo do pódio do estado com o maior número de assassinatos do país.

Revisão de plano
Para a cientista social Luciene Santana,  pesquisadora da rede de Observatórios de Segurança, o modelo atual de ações usado para a área de combate às mortes violentas precisa ser revisto. “A segurança pública ainda se estrutura na guerra às drogas, que só gera mais mortes, como já vimos também no Rio de Janeiro, que investiu nessa mesma política também e tem altos índices de homicídios. É essa polícia que tem sido replicada aqui na Bahia, mas só tem perpetuado essas pilhas de corpos”, disse.
A pesquisadora apontou ainda que alguns estados têm reduzido seus indicadores, enquanto a Bahia caminha ano após ano na contramão. “É um avanço sem tréguas, sobretudo para a população negra, que é majoritariamente atingida pelos altos índices de homicídios. O crescimento dos dados é causado exatamente pelo erro do estado de direcionar todos os esforços para a política de guerra às drogas. Trata-se de uma política falida, e é preciso repensar a segurança pública de uma outra forma, pensando em outros aspectos e setores envolvidos nesse processo”, declarou.

A guerra às drogas é também condenada pelo co-fundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro. “Essa insistência da segurança pública na repressão da violência em ocupação de territórios promove um altíssimo encarceramento, e isso impacta consideravelmente na violência urbana, na medida em que é um ciclo que precariza a vida. Está faltando inteligência na segurança pública, ciência para produzir segurança pública, por que a gente faz, sim, segurança pública com ciência e não com números falaciosos, enganando a população, dizendo que o problema das pessoas é a droga, quando na verdade, existe uma opção pela guerra”, pontou.

Para Ribeiro, “o que está faltando de fato é a vida como prioridade da segurança pública, especialmente, a vida negra. O estado precisa rever essa polícia de guerra, que também está matando a própria corporação”, acrescentou, ao falar sobre as baixas na polícia, com impacto mais profundo na Militar.

SSP rejeita método do Atlas da Violência

Em nota enviada para responder sobre a má posição da Bahia no quadro nacional, a Secretaria da Segurança Pública disse que “é impossível criar qualquer tipo de ranking de mortes violentas no Brasil, pois cada estado tem a sua metodologia de classificação. Sem uma padronização, qualquer comparação é equivocada”.  “A SSP reforça a necessidade de um Plano Nacional de Segurança Pública, com foco no combate ao tráfico de drogas, pois, no Brasil, cerca de 80% das mortes estão relacionadas de forma direta ou indireta ao comércio de entorpecentes”, afirma ainda a nota.

A SSP informou também que houve uma diminuição do número de assassinatos no estado em 2022. “As ações das polícias Militar, Civil e Técnica reduziram os crimes contra a vida em 12,7%, na Bahia, entre 1° de janeiro e 23 de maio de 2022, na comparação com o mesmo período do ano passado”, emenda. Embora rejeite o ranqueamento feito pelo Atlas da Violência com base em dados oficiais, as estatísticas não deixam dúvidas do avanço da violência. De acordo com os dados disponibilizados no site da SSP, dos 636 óbitos registrados entre 1º de janeiro e 27 de maio deste ano, 213 ocorreram na Região Metropolitana de Salvador – quase 50% das ocorrências.

A cidade de Camaçari é campeão dos homicídios, segundo o boletim de homicídios disponibilizado no portal da SSP. Um dos casos que retrata esse número diz respeito às mortes de cinco ciganos de uma mesma família num intervalo de 12 horas.
A matança começou em Dias D’Ávila, outra cidade da RMS que também amarga índices altos de crimes contra à vida, e terminou em Camaçari. Por volta das 19h30 de 11 de janeiro, o casal Orlando Alves, 59 anos, e Luciene Alves de Oliveira, 56, estava dentro de casa quando foi baleado por um homem numa moto.

Já em Camaçari, o irmão e dois sobrinhos de Orlando estavam da porta da residência quando tiveram os corpos perfurados por balas por volta das 7h30 do dia 12 – dois deles morreram no local e o terceiro chegou a ser internado no Hospital Geral de Camaçari para cuidar dos ferimentos, mas morreu após três dias em estado de saúde gravíssimo.
Já em Salvador, bairros de Águas Claras e Itapuã lideram os números de homicídios, com 22 e 23 registros, respectivamente, até agora.

Vítimas da escalada do crime em 2022

O filho da personagem que abre esta reportagem, Bruno Lima dos Santos, foi morto a tiros, na porta de casa, na Estrada do Curralinho, Boca do Rio. Bruno avisou à mãe, Cintia Lima, que ficaria na porta de casa, conversando com um primo. Da janela de casa, ela testemunhou o assassinato.

“Ele estava de costas e não viu o carro chegar. Eram três homens. Dois deles desceram e começam a atirar contra Bruno sem nada dizerem. Na hora, gritei, mas os vizinhos mandaram eu entrar e entrei. Quando eles foram embora, fui atrás de Bruno, mas meu filho já estava morto a 15 metros de casa”, contou.

No dia 8 de maio, um sábado, o soldado Alexandre José Ferreira Menezes Silva, 30, levou um tiro de fuzil na cabeça quando fazia ronda no bairro Águas Claras. No dia seguinte, os soldados Shanderson Lopes Ferreira e Victor Vieira Ferreira Cruz foram atacados por criminosos depois do velório de Alexandre. Eles foram alcançados em Fazenda Grande I, bairro de Boca da Mata.
O temor que tomou conta da região de Cajazeiras-Águas Claras após a morte dos três policiais militares em apenas 24 horas chegou às instituições públicas de ensino na região. Pelo menos 16 escolas ficaram dois dias sem aulas.

No último dia 15 , um crime bárbaro aconteceu no Vale das Pedrinhas. Wellington Ribeiro Luís e Cristiane moravam há dois anos no bairro. Durante uma briga, Wellington decapitou a esposa.  Ele foi morto logo em seguida por traficantes armados de fuzis e metralhadoras, que entram no imóvel, executaram Wellington e o deixaram ao lado do corpo da mulher. No Complexo do Nordeste de Amaralina, que abriga o Vale das Pedrinhas, onde há forte presença de uma grande facção criminosa, é comum esse tipo de retaliação contra quem comete crimes como os de Wellington. É o chamado ‘Tribunal do Crime” auxiliando a elevar o número de mortes violentas.

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